#4 Criando Bipa - Levantando Capital
Meus aprendizados tetando levantar a primeira rodada de investimento do Bipa
Tem bastante tempo que eu não escrevo nessa newsletter, a última vez foi em Outubro de 2021. Naquela época, tínhamos acabado de iniciar reuniões com investidores Brasileiros e internacionais, estávamos efetivamente "fundraising”.
"fundraising” é a ação de levantar recursos (dinheiro, capital, etc) para um propósito específico (nesse caso financiar as operações e expansão do Bipa)
Antes de iniciar o processo de fundraising, nós eramos 5 desenvolvedores, tinhamos acabado de lançar a primeira versão da conta digital do Bipa, estávamos crescendo organicamente e tinhamos em torno de 1.700 contas ativas por mês. Com somente 5 pessoas, nós já tinhamos lançado um app nativo pra iOS e um para Android, escrito todo o backend e integrado com o Pix, Bitcoin e Lightning. Com isso, alguns fundos de investimento se interessaram por nós e entraram em contato procurando conversar e entender um pouco mais sobre o Bipa e nos conhecer melhor.
Ao mesmo tempo, eu conversei com alguns empreendedores que tinham levantado capital recentemente e após conversarmos sobre o Bipa e o que já tínhamos construído, eles nos encorajaram a conversar com investidores e se propuseram a nos apresenta-los.
Devido a todos esses “sinais”, nós achamos que estávamos bonitões na fita e prontos para desbravar o mundão de investimentos e assegurar nossa captação com os termos que queríamos. Eu sou um otimista, então naquele momento ingênuo algumas vezes eu me peguei pensando que a rodada seria “over-subscribed” e criando razões fictícias em minha cabeça para explicar o porque os investidores iriam nos “amar”.
“over-subscribed” é quando uma rodada recebe interesse de diversos investidores ao mesmo tempo.
Então nós embarcamos na missão de levantar capital, procuramos intro de investidores com nossa rede de contatos e entramos em contato com todos aqueles investidores que já tinham nos contactado. Ao mesmo tempo, conversei com alguns empreendedores que já tinham levantado capital, li diversos blog posts e livros, e mesmo assim tive que aprender diversas coisas na marra.
1 - Zero suposições
Nunca presuma nada. O fato do investidor entrar em contato com você, não quer dizer nada. A única coisa que isso significa é que eles querem conhecer você, mas só isso. Se eles irão investir em você, é uma outra coisa. Você verá quando um investidor realmente está interessado em investir em você, as perguntas que eles farão serão diferentes e o entusiasmo muito maior, mas mesmo assim, o interesse só vem mesmo se ambos evoluirem a negociação do investimento, discutir a valorização, diluição, etc.
Do outro lado a mesma coisa, se um investidor decidir não investir em sua empresa, não assuma que ele te odeia e nunca vai investir. Nunca leve para o pessoal, investidores recebem centenas de “leads” todos os dias e eles simplesmente não tem dinheiro para investir em todas essas leads, naturalmente eles irão falar mais não do que sim. Você tem que entender o investidor e o que ele procura, e convencê-lo de que você é a pessoa certa para criar o que está criando.
“leads” é dicas/possibilidades de investimento
Outra coisa importante é: o investimento só está realmente fechado quando você receber o dinheiro em sua conta. Todo contrato de investimento de venture capital é non-binding, o que quer dizer que eles podem “pular fora” a hora que bem entenderem. Portanto, a principal regra é: não presuma nada até o dinheiro de fato entrar no banco.
Nosso erro
Nós achamos que pelo fato de alguns fundos de nome ter entrado em contato conosco, que isso já era um sinal forte o suficiente para sairmos pra rua pra levantarmos capital. Quando na realidade, quem estava entrando em contato conosco em sua maioria eram analistas que trabalham para esses fundos, e a realidade operacional desses fundos é que analistas raramente decidem investir em novas empresas, eles geralmente estão lá como olheiros, criam listas de empresas interessantes para o fundo (e essas empresas geralmente são a maioria do mercado de startups), marcam reuniões com as empresas e depois reportam para os “partners” que são as pessoas que vão tomar a decisão se irão conversar mais com a empresa ou não.
Não me entenda errado, se algum desses analistas entrar em contato com você, converse com eles e apresente sua empresa. Mas quando você tem mais uma pessoa no fluxo que precisa ser convencida de que a sua empresa vale alguma coisa, isso dificulta as coisas. Por isso, se você tiver contato ou conseguir uma introdução com um partner do fundo diretamente, você terá um pouco mais chance, pois essa será a pessoa que tem que convencer.
Como eu faria hoje em dia
Nesse cenário, existe 2 cenários:
Você não quer levantar dinheiro agora e não pretende por um bom tempo. Nesse caso, você pode aceitar a ligação somente para apresentar você e conhecer um pouco mais do fundo.
Você está fundraising ou pretende fundraise em um futuro próximo. Nesse caso, eu recomendo você saber a quantia que quer levantar, a diluição e criar um plano de uso para o capital levantado. Tentar uma intro com algum partner do fundo ou solicitar que algum partner esteja presente na ligação. Se eles insistirem que somente o analista estará presente, após fazer o seu pitch e no final da ligação fala quanto você quer levantar e a diluição e pergunta quais são os próximos passos e quando vocês podem ter uma ligação com um partner do fundo.
Perguntas a se fazer:
O operacional do fundo: Como eles tomam decisões? De quanto em quanto tempo? Quem é a pessoa/grupo que toma a decisão final? Quem toma a decisão de seguir para o próximo passo?
O que fez eles entrarem em contato com vocês?
O que eles acham da sua indústria? Eles já investiram em startups parecidas ou do mesmo ramo?
Quanto eles investem?
Qual é a ownership (%) da empresa que eles miram?
Ao final da ligação: Qual o próximo passo?
2 - Comunicação
Investidores falam com centenas de startups mensalmente, os melhores deles conseguem identificar rápidamente se você está engrandecendo algo ou mentindo para eles. Claro que há suas excessões, mas eu não recomendaria de jeito nenhum você falar nada além da verdade. Todos os VCs(Venture Capitals) conhecem uns aos outros, se você não for honesto com um, todos os outros irão eventualmente saber e isso vai acabar com a sua reputação em uma indústria que é inteiramente construída em cima de reputação.
Quando você for comunicar essa realidade para eles, não pode ser de qualquer maneira. Você vai precisar pensar bem em como vai contar a sua história, quais são os eventos e qual a cronologia dos eventos que você quer apresentar. O que eu descobri é que se você fez algo que (na visão do investidor) é incrível em sua vida no passado, começa com isso e continua até chegar em sua idéia/problema e solução atual. Caso você não tenha feito nada que seja fora do normal, começa direto na fonte do problema, como você identificou, pensou em uma solução e comunica as coisas que você já fez, está fazendo e pretende fazer para garantir que vai ser uma empresa de sucesso, demonstre energia, paixão e conhecimento sobre sua indústria, empresa e visão.
Uma outra dica é tentar ser o mais sucinto possível, faz com que o investidor pergunte para você, não responda todas as perguntas dele antes dele faze-las, isso causa desinteresse.
3 - Unit economics
Unit economics (UE) em tecnologia é o termo usado para indicar os indíces econômicos de um produto. Por exemplo, qual o custo de adquirir cada usuário, qual o custo mensal para manter esse usuário como usuário e quanto de dinheiro você faz com cada usuário.
Essa é uma parte que nós demoramos um tempinho para entender e materializar, e com certeza, acabou afetando negativamente algumas das reuniões com investidores que tivemos, pois não conseguíamos demonstrar nem explicar nossa unit economics claramente.
Para ilustrar a importância de unit economics (UE), eu vou explicar como nós viemos a enxergar as UE do Bipa. Em nosso caso, existem 3 métricas que são importantes:
Custo de acquisição (Cutomer acquisition cost - CAC) → O nome já diz tudo, mas é quanto nós pagamos por cada pessoa que virou cliente. Existem custos de KYC, twillio, marketing e etc.
Custo unitário (Unit Cost) → Qual o custo mensal que possuímos com cada conta ativa. Existem custos da conta bancária, Bitcoin, Lightning etc.
Average revenue per active user (ARPU) → Qua a média de faturamento que cada usuário ativo nos dá?
Muitas empresas que são do modelo de assinatura utilizariam a métrica Life time value (LTV) ao invés de ARPU.
Com essas 3 métricas, você consegue demonstrar pro investidor que a sua empresa é financeiramente viável. Pois demonstra um plano no qual você consegue provar pra ele que se conseguir crescer o número de clientes mantendo o ARPU, você pode fazer muito mais dinheiro do que está fazendo agora.
O leitor atento vai se perguntar, e o custo dos funcionários, email, slack e outras coisas que empresa tem que pagar para funcionar? Enquanto esse custo é extremamente importante e é o que a empresa mais gasta por um bom tempo de sua existência, esse é um custo operacional da empresa que não necessáriamente vai escalar junto com o crescimento do número de clientes da empresa. Os custos de Unit Economics são custos que escalam junto com o número de clientes, esses custos podem explodir da noite pro dia, caso você traga um número muito grande de clientes. Se você trazer muitos clientes e não conseguir manter a média de faturamento em níveis aceitáveis, você começará a perder dinheiro e isso pode escalonar para níveis insustentáveis. VCs não gostam de ver isso e não gostam de saber que você não entende isso e tem um plano para lidar, caso os números forem ruins.
Incentivo de VCs
VCs também possuem investidores, chamados LPs (Limited Partners). Esses LPs também esperam que o fundo deles retornem lucro de volta pra eles. Para que isso aconteça, os investidores de startups perceberam que geralmente uma pequena % dos investimentos deles pagam a perda da grande maioria dos investimentos deles, por isso, eles estão constantemente procurando essas empresas que podem se encaixar nessa pequena % de empresas que darão um retorno astronômico. Portanto, para conseguir levantar investimento de VC, você precisa ter uma visão que pode eventualmente trazer esse tipo de lucro pra eles, se você não tiver e não quiser criar uma empresa que vale bilhões, provavelmente nem vale a pena levantar capital com VC.
4 - Quanto minha empresa vale
Três dúvidas muito frequente dentre pessoas que estão começando a empreender e querem levantar capital são:
Quanto a minha empresa vale?
Quanto de dinheiro eu levanto?
Quantos % da empresa devo vender?
Geralmente as pessoas respondem a primeira pergunta já olhando para a startup deles como uma empresa grande e consolidada. Eles tentam racionalizar quanto a empresa vale baseado no faturamento e o pouco de propriedade intelectual que a empresa criou. Mas em empresa de tecnologia, essa é a maneira errada de analisar as coisas. Se todos os investidores fizessem isso, nenhuma startup receberia investimento, pois sempre as valorizações e o capital que elas teriam acesso não seria necessário para financiar a operação e os planos de expansões. Criar startup de tecnologia é caro, programadores, designers e cientistas de dados são extremamaente caros.
Para saber quantos % da empresa você vai vender, você precisa primeiro identificar quanto de dinheiro você precisa para executar seus planos e fazer a empresa crescer.
Faz o seu planejamento de expansão. Quantos funcionários vai trazer? Quanto quer investir em marketing e etc? Recomendo planejar para pelo menos 18 meses.
Pega o resultado de quanto de dinheiro você vai precisar, adiciona 30% à 50% a mais como margem de erro. Esse é o dinheiro que você precisa.
Agora você precisa decidir o quanto da empresa você está disposto a vender para levantar esse capital. Eu recomendo não passar de 20% para a primeira rodada de investimento, se vender mais que isso, pode ser que venha a ter problema pra levantar futuras rodadas de investimento. O ideal é manter nos 10%.
Sabendo o quanto de dinheiro você precisa e o máximo de diluição que vai tomar, você consegue chegar a valorização que você gostaria de fechar a sua rodada. Por exemplo, se quiser levantar R$1m por 10% da empresa, sua empresa valerá R$10m.
5 - Cuidado com CVCs
Cuidado com Corporate Venture Capitals (CVCs). Quando você está cedo na sua jornada, não dê atenção para empresas grandes que queiram investir em você. Principalmente quando eles quiserem liderar ou fazer a sua rodada por completo.
O problema de CVC está no fato de que eles são uma empresa com interesses próprios e o interesse deles é se manter ou chegar no topo, nesse estágio da sua empresa, você nunca terá poder suficiente para impor as suas necessidades em cima das necessidades deles. Eles adicionarão diversos termos para o contrato de investimento que fará você uma empresa mais lenta e você precisará dedicar tempo e dinheiro para satisfazê-los.
Ignore corporate venture capitalists enquanto você for uma empresa pequena que não vai levantar muitos e muitos milhões de dólares e está procurando nele um parceiro mais estratégico.
6 - Mantenha opções abertas
Nunca feche a porta de um investidor A até você realmente estiver fechando com investidor B. Se estiver fechando com investidor B, você deve comunicar ao investidor A que está prestes a fechar com investidor B aos termos X, e solicitar deles uma resposta definitiva o mais rápido possível. Ou eles melhoram os termos que você apresentou, ou igualam. Aí é uma decisão sua se vai ir com eles ou o que ofertou primeiro. Mas a moral da história é: Use ofertas de investidor A para acelerar a decisão do investidor B, e nunca feche as portas com investidor B, só quando investidor A realmente ir pra frente com o a assinatura do contrato de investimento e investidor B ignorou um respondeu com uma resposta negativa.
Use ofertas de investidor A para acelerar a decisão do investidor B
Ainda não vou lhes dizer se conseguimos ou não fechar a nossa rodada. O ponto desse post não é esse, mas sim compartilhar um pouco dos meus aprendizados ao longo desse último ano interagindo com investidores e tentando convencê-los de investir no Bipa.